Em 1990, uma onça muito poderosa, do Pantanal, fez a TV Globo estremecer de medo. Na época, desde que destronou a Rede Tupi de Televisão da liderança em audiência, a Globo jamais havia sofrido qualquer revés de audiência, especialmente em produtos como as novelas — modelo que ela mesma adaptou do paraibano Assis Chateaubriand.
Acostumada aos altos índices de audiência de suas telenovelas, como Tieta, que alcançou incríveis 64 pontos de média no horário nobre em 1989/1990, e Top Model, novela das 19h que virou mania nacional com 55 pontos de média, a Globo sentia-se totalmente confortável em sua programação. Daí nasceu o slogan: “Não tem pra ninguém, a Globo 90 é nota 100”. O tema era claro: até aquele momento, não existia nenhuma TV com potência para alcançar a “Vênus Platinada”.
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A grande pedra no sapato da Globo, até então, sempre havia sido a TV Tupi, que, mesmo com sua desorganização na programação, moldou a TV brasileira como a conhecemos hoje — com sucessos como Beto Rockfeller, Mulheres de Areia e A Viagem. Nunca houvera uma rede com alcance tão forte. Nem mesmo a TVS/SBT, de Silvio Santos, era vista com força suficiente, principalmente no gênero novela.
Mas, com à extinção da Tupi, nasceram duas novas redes de televisão a partir de 1981: a concessão da Tupi no Rio ficou com a TV Manchete, de Adolpho Bloch; a de São Paulo, com Silvio Santos. Logo, a Rede Manchete “chegou chegando”! Com altos investimentos em uma programação de primeira classe, chegou até a adotar esse slogan, tornando-se uma TV de alta qualidade, voltada às classes A e B.
Então, a rede de Adolpho Bloch começou a investir em telenovelas, e vieram tramas como Kananga do Japão e Dona Beija. No entanto, Benedito Ruy Barbosa apresentou uma ideia à TV Globo: produzir uma novela no pantanal brasileiro. Porém, a direção da emissora recusou, devido aos altos custos e, claro, aos perigos das gravações na região.
Rede Manchete abraça Juma Marruá, a onça, e destrona a Globo

A Rede Manchete estava disposta a produzir folhetins de alta qualidade e, por isso, abraçou a ideia de Benedito Ruy Barbosa e se propôs a produzir Pantanal.
E não deu outra. Em março de 1990, estreou Pantanal, com um orçamento estimado em US$ 8 milhões. A novela trouxe à natureza exuberante da região, até então pouco valorizada pelo Brasil. Com imagens deslumbrantes dos rios, paisagens e personagens lendários que retratavam os nativos locais, Benedito Ruy Barbosa deu um verdadeiro show.
Maria Marruá (Cássia Kiss) e Juma Marruá (Cristiana Oliveira), as estrelas da Manchete que se transformavam em onças, logo caíram no gosto do público. Sempre que acabava a novela Rainha da Sucata, muitos trocavam de canal para assistir Pantanal.
Logo, a onça Juma Marruá deu o bote na TV Globo e passou dos 30 pontos no ibope, levando a Rede Manchete a um faturamento de US$ 120 milhões no mesmo ano. Sucesso de público e mania nacional, a novela deu à Manchete o melhor momento de sua trajetória na guerra pela audiência. Com alto prestígio, a trama foi dirigida por Jayme Monjardim.
Oi, eu sou o “controle remoto”

O maior feito da telenovela da Rede Manchete foi ensinar o telespectador da Globo a mudar de canal, provocando uma mudança de hábito que, a partir dali, influenciaria a distribuição de audiência entre as emissoras.
Com Pantanal, telespectadores das classes B e C perceberam que existia qualidade também em outros canais — naquele momento, especificamente, na TV Manchete.
Onça faz Manchete crescer
Toda a grade do canal foi impulsionada com o sucesso da novela, levando-o frequentemente à liderança. A emissora abriu vantagem sobre o SBT no Rio, consolidando-se como a segunda em audiência. Em São Paulo, distanciou-se da TV Bandeirantes e passou a disputar o segundo lugar com o SBT.
Pantanal também revelou Cristiana Oliveira, Marcos Winter, Marcos Palmeira, Rômulo Arantes e Carolina Ferraz, além de resgatar atores consagrados como Cláudio Marzo, Jussara Freire, Natália Thimberg, Cássia Kiss, Rosamaria Murtinho, Tarcísio Filho, Ítala Nandi e Sérgio Britto.
Identidade musical
A novela de Benedito Ruy Barbosa foi tão excelente que até sua trilha sonora foi feita sob medida por Marcus Viana. O tema principal, “Pantanal”, composto por Viana, deu identidade à obra — uma das marcas mais reconhecíveis da novela. A partir disso, a região do Pantanal tornou-se tema de reportagens e documentários, alavancando o turismo como nunca antes visto.
A onça da Manchete fez a Globo mudar sua programação

A Manchete optou por exibir Pantanal às 21h30, logo após Rainha da Sucata (1990), da TV Globo. A trama de Silvio de Abreu começava às 20h30 e liderava com tranquilidade, mas o sucesso de Benedito Ruy Barbosa chamou a atenção do público e da imprensa.
“A partir da quarta semana, ultrapassamos a Globo e ganhamos uma visibilidade jamais vista na Manchete”, exemplificou o diretor Jayme Monjardim aos jornalistas Flávio Ricco e José Armando Vannucci, no livro Biografia da Televisão Brasileira. “As duas nunca concorreram diretamente, mas a imprensa só publicava comparações. Tinha noites em que eu chegava aos 70 pontos de pico, e mais tarde o Benedito atingia 40. Aí só falavam dele!”, disse Silvio de Abreu no mesmo livro.
A trama vencia com facilidade a linha de shows da Globo. Boni, então, resolveu tirar Dias Gomes da faixa das 20h — onde ele se preparava para substituir Rainha da Sucata — e criou um novo horário de novelas para enfrentar Pantanal. Não surtiu efeito, e a Manchete continuou na liderança.
Programas de sucesso foram aniquilados por Pantanal. Um desses foi o TV Pirata, que saiu do ar em 1990 após perder diversas vezes para Juma Marruá. “O público adorou conhecer a paisagem de um lugar pouco conhecido do Brasil. O espectador relaxou na frente da tevê com paisagens deslumbrantes e uma história simples”, refletiu o novelista na época.
Logo, Pantanal foi reverenciada como a maior novela fora da Globo e até hoje está no coração dos brasileiros que assistiram o folhetim em 1990. Em 2008, a novela ganhou exibição no SBT, após o canal exibir as fitas da extinta Manchete, e também chegou a liderar. Em 2022, a Globo produziu um remake de Pantanal, tendo êxito, mas, jamais como a primeira da TV Manchete.